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Tintas da artista representam tons de pele dos brasileiros. Foto: Daryan Dornelles/ Divulgação |
Adriana Varejão conta que sempre teve dificuldade de encontrar tintas que retratassem com exatidão os tons da pele humana. Sobretudo, que espelhassem a miscigenação dos brasileiros. O jeito foi misturar vários tons de tinta, mas a dificuldade está prestes a ser resolvida. Ano que vem, ela lança a série
Tintas Polvo.
Com edição limitada, o estojo traz tintas criadas pela própria artista. As cores se inspiram nas várias tonalidades de pele do brasileiro. “Baseei-me numa tabela de cores dos anos 1970, quando as pessoas se autoplastificavam. Vou fabricar o estojo em parceria com o pessoal das Tintas Tigre. Elas terão nomes sugestivos, como Morena Faceira e Branca Melada. Vou comercializá-las em forma de múltiplos”. Mas atenção: o preço será de obra de arte, avisa a pintora. Ou seja, para poucos.
ConsagraçãoPor acaso, a pintora Adriana Varejão acrescentou um capítulo emblemático à história das artes visuais brasileiras. No início da década de 1990, quando produzia a famosa série inspirada na iconografia dos azulejos, ela sentiu necessidade de romper com a forma convencional das telas. “Sempre associei azulejaria à segunda pele dos edifícios”, lembra. Adriana decidiu cortar a camada superficial do quadro para revelar o que, em sua imaginação, poderia estar lá dentro. Aquele gesto, além de torná-la conhecida internacionalmente, abriu-lhe caminho para ser a artista brasileira viva mais valorizada do momento.
Mal comparando, Adriana continua sem o menor pudor para, simbolicamente, “meter a mão” na massa. Com isso, produz obras de impacto. Imagine entrar numa sala e se deparar com a enorme tela de azulejos verdes que parece explodir na parede, revelando vísceras hiper-realistas. A repulsa inicial a Azulejaria verde em carne viva, porém, logo cede lugar à curiosidade sobre a plasticidade e procedimentos técnicos envolvidos em sua criação – meio escultura, meio pintura.
Adriana conta que tanto a parte escultórica quanto a pictórica foram feitas por suas próprias mãos, sem o auxílio de moldes. A obra é um dos destaques da exposição
Histórias às margens (Grande Sala), em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), na capital paulista. A panorâmica reúne 42 trabalhos produzidos desde 1991 – metade deles, inédita. Estão lá autorretratos (o fio condutor do projeto) e criações que, mesmo conhecidas por meio de fotos ou livros, causam impacto quando observadas ao vivo.
A seleção foi cuidadosamente planejada. Adriana quis reunir exemplos das séries
Proposta para uma catequese,
Acadêmicos,
Irezumis,
Línguas e incisões,
Ruínas de charque,
Mares e azulejos,
Saunas,
Pratos e
Terra incógnita. Todas evidenciam referências caras a ela – a forte ligação com a história da arte, com as iconografias religiosa e chinesa, a paixão por azulejaria e pela cerâmica, além do gosto por imagens produzidas por viajantes europeus. Também estão lá a arte acadêmica do século 19, a geometrização dos espaços arquitetônicos, paisagens, marinhas e mapas.
Ao dialogar com aspectos tão distintos, estabelecendo leitura pessoal e contemporânea desses temas, a artista carioca conseguiu consolidar sua produção. Foi questão de tempo ganhar o mundo e vender trabalhos por cifras milionárias. Assim como a colega Beatriz Milhazes, Adriana é responsável pela valorização internacional da arte brasileira.
Quando Adriana rasgou os próprios quadros para oferecer sua visão visceral – como carne viva – da arte e da vida, ela instigou, elevando a linguagem contemporânea a patamares incomuns. Essa obra inquietante surgiu quando se discutiam a “morte da pintura” e o esgotamento do estilo. A pintora brasileira veio sepultar de vez aquele discurso vazio.
Foi em Minas – mais precisamente, numa viagem a Ouro Preto, em 1986 – que Adriana teve o primeiro contato com o barroco. “Demorei muito tempo na cidade e também fui a Mariana. Os temas presentes ao barroco e os diálogos com a iconografia chinesa me influenciaram, principalmente nos momentos iniciais”, conta ela. “Hoje, estou mais voltada para o mar”, revela, referindo-se a suas pesquisas imagéticas sobre a Baía de Guanabara.
O conjunto mais representativo da obra da artista carioca está em Minas, em pavilhão especialmente criado para ela no Instituto Inhotim, em Brumadinho. Coube a um parceiro de longa data, o arquiteto paulista Rodrigo Cerviño Lopez, projetar o edifício para abrigar obras em grandes formatos, como
Celacanto provoca maremoto (2004/2008),
Linda do rosário (2004),
O colecionador (2008) e
Panacea phantastica (2003-2008). Trabalhos dela também estão expostos no Museu Guggenheim (Nova York), na Tate Modern (Londres) e na Fundación La Caixa (Barcelona).